10 novembro 2010

ANESTÉSICOS GERAIS:



  1. INTRODUCÇÃO:
Existem vários protocolos de anestesias para as diferentes intervenções cirúrgicas. Em procedimentos menores pode-se usar a sedação consciente, com benzodiazepínicos e anestésicos locais. Em procedimentos mais extensos é apropriada a anestesia balanceada, utilizando barbitúricos de ação curta com óxido nitroso e opiáceos endovenosos. Em cirurgias de grande porte, o procedimento anestésico inclui freqüentemente a administração pré-operatória de medicações sedativas e analgésicas, indução de anestesia com tiopental ou outro fármaco endovenoso de ação rápida e provisão de anestesia profunda com agentes inalatórios (combinados ou não com os endovenosos).
Os efeitos dos anestésicos gerais podem incluir a tríade perda de consciência ou catalepsia – analgesia – amnésia (ANESTESIA DISSOCIATIVA) e efeitos como o relaxamento muscular e alteração da função do SNA.
Entre o estado acordado e o estado de anestesia profunda, o indivíduo pode passar por um estágio de excitação (enflurano, ketamina), depressão (halotano, propofol, isoflurano, barbituratos, metoxiflurano) ou excitação seguida de depressão (óxido nitroso).

  1. SINAIS E ESTÁGIOS DE ANESTESIA:
A profundidade da anestesia é determinada por sinais e estágios de depressão do SNC, os sinais de Guedel:
    1. Estágio de Analgesia: respiração regular, pupila normal, atividade ocular voluntária, reflexos cutâneos e corneanos preservados, tono muscular normal. No início sem e, a seguir, com amnésia associada.
    2. Estágio de Excitação: respiração irregular, midríase, atividade ocular voluntária, reflexos preservados e aumento do tono. Obnubilação alternando com excitação. Amnésia evidente. Incontinência, ânsia e vômitos podem ocorrer.
    3. Estágio de Anestesia Cirúrgica: respiração aumenta e, a seguir, reduz de amplitude, começando a regularizar; miose que evolui para a normalidade; olhar fixo, reflexo corneano e cutâneo abolido aos poucos, tono reduzido.
    4. Estágio de Depressão Medular: respiração espontânea cessa, midríase, olhar fixo, reflexos e tono reduzidos.

  1. ANESTÉSICOS INALATÓRIOS:

Farmacocinética:
A profundidade da anestesia é determinada pela concentração dos anestésicos no SNC. A taxa de indução anestésica depende de vários fatores da farmacocinética dos anestésicos inalatórios. Estes fatores determinam as diferentes taxas de transferência do anestésico inalado do pulmão para o sangue e daí para o cérebro, além de influenciar a rapidez de recuperação da anestesia. Fatores farmacocinéticos: captação e distribuição (solubilidade, concentração do anestésico no ar inspirado, ventilação pulmonar, fluxo sangüíneo pulmonar, gradiente de concentração arteriovenoso), eliminação.
Captação e Distribuição:
  • Coeficiente de partição sangue:gás – é um indicador da solubilidade do anestésico, define a afinidade relativa de um anestésico pelo sangue em comparação ao ar. Quando o anestésico tem baixa solubilidade se difundem do pulmão para o sangue arterial são necessárias poucas moléculas para elevar sua pressão parcial, e a tensão arterial aumenta rapidamente, levando a uma indução mais rápida da anestesia (ex.: oxido nítrico).
  • Concentração do anestésico no ar inspirado: Aumentos na concentração do anestésico inspirado produzem aumentos na taxa de indução da anestesia, por aumentar a taxa de transferência para o sangue, segundo a lei de Fick.
  • Ventilação Pulmonar: Um aumento da ventilação pulmonar acompanha-se apenas de um pequeno aumento na tensão arterial de um anestésico de baixa solubilidade no sangue, mas pode aumentar significativamente a tensão de um anestésico de solubilidade sangüínea moderada ou alta. A hiperventilação aumenta a rapidez de indução da anestesia.
  • Fluxo Sangüíneo Pulmonar: Um aumento do fluxo sangüíneo pulmonar expõe ao anestésico um volume sangüíneo maior, lentificando a taxa de aumento da tensão arterial, reduzindo a indução anestésica.
  • Gradiente de Concentração Arteriovenoso: Depende da captação tecidual. Os tecidos mais perfundidos são os que exercem maior influencia sobre o gradiente de concentração arteriovenosa (cérebro, coração, fígado, rins e leito esplânico).
Eliminação:
O tempo da recuperação anestésica depende da taxa de eliminação do anestésico do cérebro depois que a concentração do anestésico no ar inspirado começa a diminuir. Os anestésicos menos solúveis são os eliminados mais rapidamente. O halotano é duas vezes mais solúvel no tecido cerebral e cinco vezes mais solúvel no sangue que o oxido nítrico, sua eliminação ocorre, pois mais lentamente e a recuperação da anestesia por halotano é mais demorada.

Farmacodinâmica:
As características dose-resposta dependem da Concentração Alveolar Mínima (CAM). A pressão parcial de um anestésico inalado no cérebro equivale àquela no pulmão ao atingir-se o estado de equilíbrio estável.
A concentração alveolar mínima de um anestésico é definida como a concentração que leva à imobilidade 50% dos pacientes quando expostos a um estímulo nociceptivo como uma incisão cirúrgica.

Mecanismo de Ação:
Uma ação neurofisiológica é a elevação do limiar de deflagração celular. Há uma diminuição da atividade neuronal. Os anestésicos inalatórios deprimem a atividade espontânea e evocada de neurônios de muitas regiões cerebrais. Essas ações são exercidas sobre a transmissão axônica quanto sobre a transmissão sináptica, sendo esta mais sensível.
A hiperpolarização de neurônios pela ativação de correntes de K, o que leva a menor capacidade de deflagrar potenciais de ação, resultando em elevação do limiar.
O ISOFLURANO diminui a abertura dos canais catiônicos ativados pelos receptores nicotínicos.
Os BENZODIAZEPINICOS e BARBITURICOS atuam sobre os canais de Cl mediado pelo GABA a afetando sua abertura, causando hiperpolarização, levando a uma diminuição das deflagrações.
O mecanismo molecular não está bem esclarecido. Podem decorrer da interação direta das moléculas anestésicas com locais hidrofóbicos em canais protéicos específicos da membrana celular.
A base neurofarmacológica dos efeitos que caracterizam os estágios de anestesia parece ser a SENSIBILIDADE DIFERENCIAL ao anestésico.
  • Estágio I: as células gelatinosas do cordão dorsal espinhal são muito sensíveis as concentrações relativamente baixas de anestésicos no SNC.
  • Estágio II: Decorrem de complexas interações neuronais, incluindo o bloqueio de muitos pequenos neurônios inibitórios (células de Golgi tipo II).
  • Estágios III: Há uma depressão progressiva das vias ascendentes no sistema ativador reticular, juntamente com a supressão da atividade reflexa espinal que contribui ao relaxamento muscular.]
  • Estagio IV: em concentrações elevadas a atividade dos neurônios do centro respiratório e vasomotor do bulbo é deprimida.

Propriedades Farmacológicas:

  • SCV: Reduzem a PAM em proporção direta à sua concentração alveolar; Tendem a aumentar a pressão atrial direita, refletindo na depressão da função miocárdica.A estimulação cirúrgica, a hipercapnia e a maior duração da anestesia diminuem os efeitos depressores dessa drogas.
  • S respiratório: Depressores Respiratórios. Diminuição do volume corrente e um aumento da freqüência respiratória, exceto o oxido nitroso. Diminuição da ventilação minuto. Aumentam o limiar apnéico (nível da PaCO2 abaixo do qual a apnéia ocorre por falta de estimulação respiratória produzida pelo CO2) e diminuem a resposta ventilatória à hipoxia. Deprimem a função mucociliar das vias áreas, e tendem a ser broncodilatadores (usados no status asthmaticus).
  • SNC: Diminuição da taxa metabólica cerebral, aumento do fluxo sangüíneo cerebral, por diminuição da resistência vascular cerebral, como conseqüência pode levar a aumento da pressão intracraniana.
  • Rim: diminuem a taxa de filtração glomerular e o fluxo plasmático renal efetivo, aumentam a fração de filtração. Aumentam a resistência vascular renal.
  • Fígado: diminuição do fluxo sangüíneo hepático durante a anestesia. Raramente há uma alteração permanente da função hepática.
  • Músculo Uterino: NO tem pouca ação sobre o miométrio. Entretanto, o isoflurano, enflurano e halotano são relaxantes potentes do miométrio.
Características Individuais:
- Halotano:
  • Reduz a PAM, devido à diminuição do débito cardíaco, pouca altera a RVP; Bradicardia relacionada à depressão direta da freqüência atrial. Efeitos depressores do miocárdio acentuados.
  • Sensibiliza o miocárdio as catecolaminas, podendo ocorrer arritmias ventriculares em pacientes cardiopatas que recebem drogas simpaticomiméticas.
  • Aumento maior do fluxo sangüíneo cerebral em doses baixas.
  • Efeitos sobre o EEG: padrão ponta-onda durante o qual estímulos auditivos podem precipitar os abalos musculares ( enflurano e isoflurano também!)
- Isoflurano:
  • Reduz a PAM devido à redução da RVP sem alterar o DC. Aumenta a FC. Efeitos depressores do miocárdio menores.
  • Maior depressão ventilatória.
  • Aumento do fluxo sanguineo cerebral, em altas doses, mas menos que o halotano.
- Desflurano:
  • Reduz a PAM devido à redução da RVP sem alterar o DC.
- Enflurano:
  • Reduz a PAM. Pouca ação sobre a FC. Efeitos depressores do miocárdio acentuados.
  • Maior depressão ventilatória.
  • Aumento do fluxo sanguineo cerebral, em altas doses, mas menos que o halotano.
- Metoxiflurano: Pouco efeito sobre a FC,
- Oxido Nitroso:
  • Deprime o miocárdio de maneira dependente da dose. Pode produzir estimulação simpática que pode obscurecer quaisquer efeitos depressores cardíacos do anestésico inalado.
  • Pouco aumento do fluxo sangüíneo cerebral.
  • Efeitos analgésicos e amnésicos marcantes.

Toxicidade:
  • Hepatotoxicidade: O HALOTANO pode causar danos hepáticos. O CLOROFORMIO e FLUROXENE podem produzir infiltração lipídica, necrose centrolobular e concentrações elevadas das aminotransferases.
  • Nefrotoxicidade: O METOXIFLURANO através do seu metabólito flúor inorgânico causa insuficiência renal poliúrica resistente à vasopressina.
  • Mutagenicidade e Carcinogenicidade: Não há provas objetivas que os anestésicos inalatórios sejam mutagênicos ou carcinogênicos.
  • Hematotoxicidade: O Oxido Nitroso diminui a atividade da metionina sintetase causando anemia megaloblástica.

Usos Clínicos:
  • HALOTANO: usado em anestesia pediátrica.
  • OXIDO NITROSO: não tem potencia para produzir anestesia cirúrgica sozinho, mas é usado em associação a outros para produzir uma anestesia completa.
  • METOXIFLURANO: usado em anestesia obstétrica, mas em procedimentos prolongados devem ser evitados devido a sua nefrotoxicidade.
  • CLOROFÓRMIO: não é utilizado mais, devido a sua hepatotoxicidade.
  • CICLOPROPANO E ETER DIETILICO: não são utilizados devido às características inflamáveis e explosivas.

  1. ANESTÉSICOS ENDOVENOSOS:

4.1. BARBITÚRICOS DE AÇÃO ULTRACURTA:

O mais usado é o TIOPENTAL, METO-HEXITAL SÓDICO, TIAMILAL SÓDICO.
Farmacocinética: atravessa a barreira hematoencefálica, alta lipossolubilidade. Rápido equilíbrio plasmático cerebral. Difunde-se rapidamente para fora do SNC e outro tecido muito vascularizados, sendo redistribuído para o tecido adiposo, músculos, etc. Por isso, sua ação tem duração curta. Metabolismo hepático (mais de 99%) muito rápido. Excreção renal.
Efeitos: quando em dose suficiente, produz hipnose. Reduz o metabolismo e uso de O2 pelo cérebro, além de reduzir o fluxo sanguíneo cerebral, sendo mais desejável para uso em pacientes com edema cerebral e hipertensão intracraniana que os anestésicos inalatórios.
Efeitos adversos: em doses altas, reduz a PA, o volume sistólico e o DC, devido a efeito depressor do miocárdio e aumento da capacitância venosa. Pouco efeito na RVP. É potente depressor respiratório (ação no centro bulbar). Reduz o fluxo sanguíneo hepático e taxa de filtração glomerular, transitoriamente. Podem exacerbar porfiria aguda. Tosse, laringoespasmo e broncoespasmo podem ser graves. Vantagem: pouca excitação e vômitos pós-anestésicos.
Indicação: induzir sono antes da addministração de agentes necessários para manter a anestesia durante o procedimento.

4.2. BENZODIADEPÌNICOS:

Os mais usados são o DIAZEPAM, LORAZEPAM e MIDAZOLAM.
Farmacocinética: são lipossolúveis e exigem veículo não-aquoso para inoculação, podendo causar irritação local, exceto no caso do midazolam, que é hidrossolúvel (mas torna-se lipossolúvel no pH fisiológico e atravessa a barreira hematoencefálica). Em comparação aos barbitúricos, o início da ação é mais lento e ocorre uma estabilização da depressão central a um nível inferior ao verdadeiro estado de anestesia. A elevada incidência de amnésia anterógrada é muito útil; o midazolam, por ter elevada incidência de amnésia (50%), deve ser administrado 15-60 min antes da indução da anestesia geral. Ele tem efeito mais rápido e duração mais curta (T1/2 = 2-4h) que os outros. Diazepam: VO, IM, IV.
Efeitos adversos: prolongam o período de recuperação pós-anestesia.
Indicação: pré-anestésico, indução e manutenção da anestesia. Agentes únicos em procedimentos que não exigem analgesia, como endoscopia, cardioversão, cateterismo, etc. Uso na anestesia como pré-medicação; sedação intra-operatória; e, juntamente com outras drogas, na anestesia balanceada. O antagonista flumazenil é usado para acelerar a recuperação da sedação (curta ação múltiplas doses).

4.3. ANALGÉSICOS OPIÁCEOS:

As drogas mais usadas são: MORFINA, FENTANIL, SUFENTANIL, ANFENTANIL.
Farmacocinética: fentanil tem alta potência; deteriorização circulatória mínima. Há aplicação (dolorosa) intratecal e epidural, que proporciona analgesia mais profunda.
Efeitos adversos: mesmo com doses altas, há certa manutenção da consciência e recordação pós-operatória desagradável. Podem aumentar a rigidez da parede torácica (dificulta ventilação) e depressão respiratória pós-operatória.
Antagonista: naloxona.
Indicação: grandes cirurgias em que a reserva circulatória é mínima, como na cardíaca, alívio da dor em todos os tipos de anestesia. Os efeitos adversos podem ser evitados ou reduzidos com dose menor da droga e associação a barbitúricos de ação curta ou benzodiazepínicos e, geralmente, óxido nitroso, para ter anestesia balanceada. Fentanil com droperidol produz analgesia e amnésia; sua associação com óxido nitroso produz neuroleptanestesia. Anfentanil é usado em cirurgias de menor duração.

4.4. PROPOFOL:

Farmacocinética: resistência aos efeitos ocorre em alguns dias e seu uso tem duração limitada. Distribuição em 4-16 min. Meia-vida de 1-3h. Metabolização (mais de 99%), não exclusivamente hepática (conjugação com glicuronídeo e sulfato), permite uso em pacientes com dificuldade de metabolizar outras drogas. Excreção renal.
Efeitos: anestesia em taxa semelhante aos barbitúricos e com recuperação mais rápida (deambulação mais precoce). Proporciona sensação melhor no pós-operatório imediato. Relatos de ação antiemética. Sem efeitos cumulativos ou ativação retardada após infusões prolongadas.
Efeitos adversos: efeito na respiração semelhante ao tiopental. Reduz PA (por reduzir RVP). Apnéia e dor no local da injeção. Movimentos musculares, hipotonia e, raramente, tremores. Reações de hipersensibilidade envolvendo hipotensão, rubor facial e broncoespasmo quando o veículo é o original (Cremophor).
Indicação: anestesias balanceadas; grande popularidade nas “cirurgias-dia”. Eficaz na sedação prolongada de casos críticos. O custo é grande, maior que dos benzodiazepínicos e barbitúricos.


4.5. ETOMIDATO:

Farmacocinética: ação ultracurta; distribuição rápida; meia-vida de 3-29min; redistribuição do cérebro para outros tecidos leva à curta duração dos efeitos. Hidrolizado no fígado e plasma. 90% excreção renal, 2% inalterado.
Efeitos: perda da consciência em segundos; recuperação em 3 min. Sem efeito analgésico.
Efeitos Adversos: suas vantagens são os mínimos efeitos depressores cardiovasculares e respiratórios. Hipotensão leve, ausência de efeito sobre a FC e baixa incidência de apnéia. Incidência elevada de náuseas e vômitos, dores à injeção e mioclonias. Supressão adrenocortical por inibição da esteroidogênese. Perfusões prolongadas podem causar hipotensão, distúrbios eletrolíticos e oligúria.
Indicação: em anestesia balanceada que não exige administração prolongada. Por não fazer analgesia, exige pré-medicação com opiáceos para reduzir as respostas cardíacas durante a intubação e reduzir os movimentos musculares espontâneos.

4.6. CETAMINA:

Farmacocinética: lipofílica, com rápida distribuição. Redistribuição. Metabolismo hepático e excreção urinária e biliar.
Efeitos: ANESTESIA DISSOCIATIVA, que se caracteriza por catatonia, amnésia e analgesia. Anestésico potente; único que produz estimulação cardiovascular (excitação do SNS e inibição da recaptação da NE).
Mecanismo: bloqueio da ação do glutamato sobre o receptor NMDA.
Efeitos adversos: desorientação, ilusões sensoriais e perceptivas e sonhos vívidos pós-anestesia (“fenômenos de emergência”, reduzidos com uso de diazepam 5min antes). Aumenta DC, FC e PA. Aumenta o fluxo sanguíneo, consumo de O2 cerebral e pressão intracraniana. Reduz ligeiramente a freqüência respiratória por 2-3min. Fenômenos prsíquicos pós-operatórios.
Indicação: útil em pacientes geriátricos de alto risco e pacientes em choque devido a suas propriedades cardioestimulatórias. Anestesia ambulatorial e em crianças submetendo-se a procedimentos dolorosos, como mudanças de curativos (seguida de uso de halotano).

4.7. COMBINAÇÃO DE NEUROLÉPTICOS COM OPIÓIDES:
O DROPERIDOL, derivado da butifenona, produz estado de quiescência com atividade motora e ansiedade reduzida, além de indiferença emocional. A inconsciência não é necessariamente induzida. Além da neurolepsia, produz ação bloqueadora adrenérgica, antiemática, antifibrilatória e anticonvulsivante. Aumenta os efeitos de outros agentes depressores do SNC. Pode ocorrer síndrome maligna neuroléptica.
Quando um analgésico potente, como o FENTANIL, é combinado ao droperidol, estabelece-se um estado de ANALGESIA NEUROLÉPTICA, durante o qual podem ser realizados vários procedimentos diagnósticos (endoscopia, estudos radiológicos) ou cirúrgicos de pequeno porte (curativos de queimaduras, p.ex.). Como o efeito do droperidol é mais prolongado, doses suplementares de fentanil são necessárias.

4.8. AGONISTAS ALFA 2 –ADRENÉRGICOS:


A CLONIDINA oral pode ser usada para reduzir a dose necessária de agentes anestésicos e analgésicos. Uso pré-cirúrgico provoca sedação e reduz a ansiedade.

ANALGÉSICOS I: FISIOPATOLOGIA DA DOR:




  1. DEFINIÇÃO E COMPONENTES:

A dor é o “estado inverso ao prazer”, segundo Hipócrates. Ela é uma experiência neurossensorial formada pela associação de dois componentes bem definidos: um perceptivo (neurossensorial ou cognitivo) e um afetivo (motivacional ou aversivo).
O componente cognitivo permite não apenas a percepção, mas também o aprendizado da dor, de forma que o indivíduo tenda a não repetir o ato que provoca o estímulo doloroso.
O componente aversivo é um reflexo psicomotor ao sofrimento, permitindo que se desenvolvam os sentimentos que a dor deflagra, como o ódio, desespero, agonia e irritabilidade. Ele também dita a intensidade da dor, preserva a identidade física e é modificado pela memória.
A dor é um alerta ao organismo de que está ocorrendo lesão celular/tissular. Além do componente cognitivo que prepara o indivíduo para uma ação, o que difere a dor dos outros sentidos é justamente o componente aversivo, responsável pelas reações básicas de luta ou fuga.
O momento em que se deflagra o componente aversivo, denominado limiar da dor, varia de pessoa para pessoa.


  1. REAÇÕES À DOR:

O estímulo álgico segue da periferia ao córtex, onde, de acordo com as regiões ativadas, desenvolve os componentes da experiência dolorosa. Estes evocarão, a partir daí, reações segmentares, suprassegmentares ou corticais.

  • Segmentares: abalo muscular, espasmo muscular e vasoconstrição local, além de sudoresse, acidose muscular e hipopotassemia, que perpetua a contração muscular. São desencadeadas pelos metabólitos produzidos pela injúria, que promovem essas reações medulares.
Um exemplo é o torcicolo: uma isquemia branda do m. ECOM causa contração que gera dor que não deveria perdurar por mais de 48-72h se bem tratada. Dor por mais de 1 semana promove espasmo muscular que leva a vasoconstrição e acidose, de forma que o músculo entra em anaerobiose, quebrando gligose em ácido lático e perpetuando assim a dor.

  • Suprassegmentares: alerta e ativação neurovegetativa.

  • Corticais (psicomotoras): reação afetiva-emocional.

As reações segmentares tendem a perpetuar o estímulo doloroso, enquanto as reações suprassegmentares provocam reações típicas simpáticas e parassimpáticas (palidez, sudorese, taquicardia, pressão elevada, extremidades frias), além de manter o indivíduo em alerta. A formação reticular diencefálica é a porção que medeia os sinais corticais de sono e vigília. Dores viscerais levam a um componente supressegmentar tão importante que o alerta é obrigatório.
As reações corticais são responsáveis pelo sofrimento.


  1. ANATOMIA DA MEDULA ESPINHAL:

  1. SUBSTÂNCIA CINZENTA:
  • Neurônios de Axônio Longo (tipo I de Golgi)
    • Radiculares (formam a raiz ventral)
      • Viscerais (neurônio pré-gangl. do SNA -> m. liso, cardíaco, glânds.)
      • Somáticos (neurônios motores -> m. esquelético)
  • Cordonais (ganham subst. branca -> funículos ascendentes ou descendentes)
    • De Projeção (termina fora da medula, p. ex., no tálamo)
    • De Associação (termina na subst. cinzenta)
  • Neurônios de Axônio Curto (tipo II de Golgi ou Internunciais) (permanecem na subst. cinzenta -> ramificam-se próximo ao corpo e servem de conexão; participam dos arco-reflexos)

  1. SUBSTÂNCIA BRANCA:
  • Vias Descendentes (origem no córtex ou tronco encefálico)
  • Piramidais (passam pelas pirâmides bulbares antes da medula -> movimento voluntário)
  • Extra-Pitamidais (tracto tecto-espinhal, vestíbulo-espinhal, rubro-espinhal e retículo-espinhal -> movimento involuntário, tônus, postura)
  • Vias Ascendentes
  • Do Funículo Posterior
    • Fascículo grácil e fascículo cuneiforme (tato epicrítico, propriocepção, estereognosia e sensibilidade vibratória)
      • Do Funículo Anterior
        • Tracto espinotalâmico anterior (tato protopático, grosseiro, e pressão)
  • Do Funículo Lateral
    • Tracto espino-talâmico lateral (temperatura e dor). É a principal via de dor, também denominada de tracto neoespino-talâmico. Junto dele seguem também as fibras espino-reticulares, que fazem sinapse na formação reticular e originam as fibras retículo-talâmicas (via espino-reticular + via retículo-talâmica = via espino-retículo-talâmica).
    • T. espino-cerebelar ant. (propriocep. inconsciente e controla motricidade)
    • T. espino-cerebelar post. (propriocep. inconsciente)

  1. MECANISMOS PERIFÉRICOS DA DOR:

O estímulo inicia na Zona de Gatilho, onde há terminações nervosas livres denominadas NOCICEPTORES, que caminham junto com o corpúsculo de Paccine, Merckel e Maissner para o corno posterior da medula. Essas terminações têm maior limiar de excitabilidade que as outras, exigindo estímulos bem mais intensos para que o potencial de ação seja deflagrado, ou seja, são sensíveis apenas ao estímulo lesivo, nocivo.
As fibras aferentes que conduzem a informação dolorosa são classificadas em:

  • A delta: neurônio mielinizado de alta velocidade de condução (5-7 m/s). É responsável pela dor rápida, em pontada ou agulhada.
  • C: neurônio não-mielinizado de baixa velocidade (0,3-0,5 m/s). É responsável pela dor lenta, em aperto, constrição. Dura mais (dor mantida). É a que conduz o indivíduo ao médico.

Quando uma área de nosso organismo é lesada, os lisossomas das células mortas sofrem liberam enzimas proteolíticas que ativam o calicreinogênio. Esta substância se transforma em calicreína, capaz de converter o bradicinogênio em bradicinina. Esta além de promover estimulação direta no nociceptor, interconverte a fosfolipase D2 em A2, gerando prostaglandina a partir do ácido aracdônico proveniente do resto de membrana plasmática da célula que sofreu autólise (ação da COX 2).
Prostaglandinas: PGG2 -> PGH2 -> PGI, uma prostaciclina vasodilatadora, hiperestésica e causadora de edema; PGD2; PGF2, que promove vasoconstricção e edema; PGE2, que promove hipertermia, vasodilatação e edema, além de reduzir o limiar de excitabilidade das terminações nervosas livres, causando hiperestesia e facilitando a transmissão de estímulos dolorosos.
A prostaglandina isoladamente não é capaz de deflagrar a sensação álgica. Este fenômeno depende da bradicinina. A PGE2 aumenta a QUANTIDADE de potenciais de ação (e não a amplitude do PA), amplificando o estímulo álgico que apenas com a bradicinina seria rápido e fugaz.
O ácido aracdônico também dá origem aos leucotrienos (quimiotáticos e formadores de SRSA, Substância de Reação Lenta, responsável maior do choque anafilático), PAF e tromboxano A2 (vasoconstritor).


  1. CONTROLE DO PORTÃO DE DOR (“GATE CONTROL”):

Ambas as fibras, A delta e C, chegam da periferia ao corno posterior da medula, fazendo sinapse com as células T das lâminas I, II, IV e V de Rexed. Essa sinapse 1ª é denominada de SINAPSE SENSORIAL.
A lâmina I (camada marginal) recebe impulso direto das fibras A delta e via interneurônio das fibras C; a lâmina II (substância gelatinosa) é formada quase exclusivamente de interneurônios que recebem estímulo das fibras C; as lâminas III e IV recebem impulso monosináptico das fibras A beta, não-mielinizadas e grossas, de tato e propriocepção; a lâmina V recebe estímulo direto a beta e A delta, além de impulsos diretos e indiretos das fibras C.
De acordo com a hipótese mais aceita, a fibra do tipo C estimula a célula T e o interneurônio estimulatório (ou inibe o interneurônio inibitório), permitindo a passagem do estímulo álgico, “abrindo o portão da dor”. A fibra do tipo A delta e A beta, estimulam a célula T, mas também o interneurônio inibitório, impedindo a passagem do estímulo à célula T, “fechando o portão da dor”.
Através da fibra A beta, quando esfregamos uma região do corpo lesada, “aliviamos” a dor. Esse é o princípio do uso de bolsas de água quentes na cólica e da acupuntura, cujas agulhas estimulas pontos pré-sabidos de passagem de fibras desse tipo.
O que faz o indivíduo sentir mais ou menos dor é a modulação de freqüência dos PA’s: o interneurônio inibitório é capaz de fazer um corte 1:1 em cada potencial de ação gerado; ele tem a função de filtrar, ou seja, reduzir o número de potenciais de ação álgicos que passam por ele.
Caso a fibra A delta ou A beta estejam com atividade reduzida, a ação sobre o interneurônio inibitório será menor, levando a uma dor de intensidade maior. Caso a atividade esteja aumentada, a intensidade da dor será menor.
Existem micobactérias que lesam a primeira sinapse devido a um tropismo pelos interneurônios inibitórios (ex.: neurite pós-herpética). O indivíduo perde a capacidade de fechar o portão da dor, que é exacerbada.
Receptores alfa 2, presentes na célula T, fecham o portão da dor. Por isso, a clonidina pode ser usada como substituta da morfina na analgesia do câncer, por exemplo.

Deaferentação Primária:
É a situação em que as fibras A beta são lesadas, levando a uma menor filtração dos estímulos álgicos e, com isso, provocando dores lancinantes.


  1. MECANISMO DA POTENCIALIZAÇÃO DE LONGA DURAÇÃO NMDA DEPENDENTE:

Na primeira sinapse sensorial, no botão terminal da fibra aferente, há liberação de glutamato, substância que se liga ao receptor AMPA, acoplado a um canal de sódio, na membrana plasmática da célula T. Após esta ligação, há uma despolarização da membrana, insuficiente para deflagrar um potencial de ação, mas ideal para atuar sobre os receptores NMDA da célula T. O receptor NMDA possui um sítio de ligação para o glutamato ocupado por íons de magnésio. Quando ocorre despolarização da membrana, este íon é deslocado permitindo que o glutamato vença o antagonismo competitivo e se ligue ao receptor. Essa ligação promove, então, um influxo de íons cálcio para o citossol da célula T. A alta concentração de cálcio aumenta a quantidade de protooncogenes (c-fus e c-jun), estimulando a transcrição de RNAm de enzimas (ex.: NO sintase), receptores (ex.: NMDA) e canais (ex.: de cálcio), potencializando a dor. O cálcio também ativa a NO sintase diretamente, aumentando a produção de óxido nítrico, que alcança a membrana pré-sináptica e estimula a liberação de mais glutamato.
Quando se usa um analgésico apenas como SOS, o retorno do estímulo da dor após cessar o efeito do medicamento causa uma potencialização via NMDA, ou seja, a dor volta com maior intensidade. O correto é fazer analgesia por 24h.
Membro Fantasma:
Em um neuroma, ou seja, cicatriz de um nervo seccionado, está mantida a transmissão de glutamato, logo, qualquer estímulo álgico ao coto gera dor.


  1. SISTEMA ANTERO-LATERAL DA MEDULA:

As fibras A e C que trazem o estímulo da periferia chegam ao corno posterior e cruzam o H medular para uma região antero-lateral. Por isso, o sistema ascendente é denominado Sistema Antero-Lateral da Medula. Ele é formado principalmente pelo tracto neoespino-talâmico, pelo tracto paleoespino-talâmico (ou espino-retículo-talâmico) e pelo feixe espino-reticular.
O tracto neoespino-talâmico é formado por neurônios das lâminas I e V-VII e segue para o tálamo lateral e córtex somestésico (giro pós-central). Relaciona-se com dor aguda (em pontada) e bem localizada e é responsável pelo componente cognitivo da dor. O corpo do neurônio I, nociceptor, está no gânglio da raiz dorsal. Esse neurônio faz sinapse no corno posterior da medula e o neurônio II cruza para o funículo lateral do lado oposto, formando o feixe espino-talâmico lateral. Este ascende para o núcleo ventral póstero-lateral do tálamo, passando pelo lemnisco espinhal do mesencéfalo. Faz sinapse com o neurônio III, que se dirige ao córtex parietal, somato-sensorial (homúnculo), permitindo a localização da dor (irradiações tálamo-corticais específicas).
Já o tracto paleoespino-talâmico, é formado por neurônios das lâminas VII e VIII e conduz impulsos de dor crônica e difusa (em queimação) ao tálamo medial e córtex frontal. Ele emite conexões para a formação reticular e para o sistema límbico (amígdala, hipocampo, fórnix, cíngulo e córtex pré-frontal), sendo responsável pelo componente aversivo da dor. Essa via tem trajeto interrompido: o neurônio II ganha o funículo lateral do mesmo lado e do lado oposto; as fibras cruzadas e não cruzadas formam o feixe espino-reticular, que ascende para a formação reticular, onde faz sinapse com o neurônio III; este forma as fibras retículo-talâmicas que vão aos núcleos intralaminares do tálamo fazer sinapse com o neurônio IV, direcionado a amplos territórios do córtex (sobretudo o pré-frontal) (irradiações tálamo-corticais inespecíficas).
Há também o tracto espino-mesencefálico, formado pelas lâminas I e V, que confere o componente afetivo da dor. Suas fibras seguem para a substância cinzenta periaquedutal e formação reticular mesencefálica e se projetam para o núcleo parabraquial. Deste último, seguem para as amígdalas. Outros tractos são o cervico-talâmico (lâminas II e IV), que origina nos dois primeiros segmentos cervicais da medula, e o espino-hipotalâmico (lâminas I, V e VII), que permite o controle autonômico da dor e ativa a complexa resposta neuroendócrina e cardiovascular.


  1. VIAS DA ANALGESIA – REGULAÇÃO DA DOR:

O portão da dor, capaz de regular a intensidade da sensação dolorosa, é controlado por dois tipos de vias: a dos impulsos nervosos que entram pelas fibras das raízes dorsais e agem nos interneurônios (sobretudo via fibras A beta, já descritas) e também por fibras descendentes supra-espinhais.
Uma das vias descendentes é a da substância cinzenta periaquedutal (PAQ; uma substância presente ao redor do aqueduto cerebral) e do assoalho do terceiro ventrículo. Fibras serotoninérgicas os conectam ao núcleo magnocelular da rafe (um dos núcleos da rafe, componentes da formação reticular – estrutura de característica intermediária entre a substância branca e a cinzenta que ocupa a parte central ao longo do tronco encefálico) e deste partem fibras rafe-espinhais encefalinérgicas em direção ao funículo dorsolateral da medula e substância gelatinosa. Essas fibras são capazes de inibir a fibra A delta e A beta antes delas fazerem sinapse e estimularem o interneurônio inibitório do portão da dor. Logo, quando o PAQ é estimulada, ocorrem reflexos de analgesia.
Outra conexão da PAQ é com o núcleo paragigantocelular (outro núcleo da rafe), que envia fibras noradrenérgicas inibitórias diretamente à célula T. A noradrenalina age nos receptores alfa 2 dessa célula, ativando-os e hiperpolarizando a célula T e “fechando o portão da dor”.
Há receptores para opióides na PAQ. Essa região possui numerosas conexões aferentes; a mais importante é a com as vias neo e paleoespino-talâmicas, aumentando a complexidade do sistema de regulação da dor.
O Locus Ceruleus (LC) é outra estrutura que participa das vias analgésicas descendentes. Ele é estimulado por fibras encefalinérgicas do funículo dorsolateral da medula e libera norepinefrina nas mediações do corpo da célula T. A NE se liga aos receptores alfa adrenérgicos inibitórios, hiperpolariza a célula T e “fecha o portão da dor”.
Tanto o LC quanto a formação reticular participam do Sistema Límbico. Outras estruturas desse sistema têm vias de regulação da dor. É o caso do Hipotálamo, que pode tanto inibir quanto ativar a PAQ.
Por fim, o tálamo pode estimular a PAQ e outros núcleos da medula e ponte enviam projeções analgésicas ao corno posterior da medula.






 
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